Comer, comer...
COMER, COMER
Clarice Lispector
Não sei como são as outras casas de família. Na minha casa todos falam em comida. "Esse queijo é seu?" "Não, é de todos." "A canjica está boa?" "Está ótima." "Mamãe, pede à cozinheira para fazer coquetel de camarão, eu ensino." "Como é que você sabe?" "Eu comi e aprendi pelo gosto." "Quero comer hoje somente sopa de ervilhas e sardinha." "Estou sem fome, mas se você comprar pimenta eu como." "Não, mamãe, ir comer no restaurante sai muito caro, e eu prefiro comida de casa." "Que é que tem no jantar para comer?"
Não, minha casa não é metafísica. Ninguém é gordo aqui, mas mal se perdoa uma comida mal feita. Quanto a mim, vou abrindo e fechando a bolsa para tirar dinheiro para compras. "Vou jantar fora, mamãe, mas guarde um pouco do jantar para mim." E quanto a mim, acho certo que num lar se mantenha aceso o fogo para o que der e vier. Uma casa de família é aquela que, além de nela se manter o fogo sagrado do amor bem aceso, mantenham-se as panelas no fogo. O fato é simplesmente que nós gostamos de comer. E sou com orgulho a mãe da casa de comidas. Além de comer, conversamos sobre que roupa é adequada para determinadas ocasiões. Nós somos um lar.
16/11/1968
(A Descoberta do Mundo - Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1999)
2 Comments:
A casa da Clarice se parece com a casa de uma amiga minha.
Quem será?
fogo aceso de cu é rola, né?!
hahaha
nada melhor que um bom restaurante japonês. haha
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