19 março 2008

Elisa Lucinda


Chupetas Punhetas Guitarras


Choram meus filhos pela casa
Fraldas colos fanfarras
Meus filhos choram querendo
Talvez meu peito
Ou talvez o mesmo único leito
Que reservei para mim
Assim aprendi a doar com o pranto deles
Na marra aprendi a dar o mundo a quem do mundo é
A quem ao mundo pertence e de quem sou mera babá

Um dia serei irremediavelmente defasada, demodê
Meus filhos berram meu nome função
Querendo pão, ternura, verdade
E ainda possibilidade de ilusão
Meus filhos cometem travessuras sábias
No tapa bumerangue da malcriação
Eu que por eles explodi boceta afora afeto a dentro
Ingiro sozinha o ouro excremento desta generosidade
Aprendo que não valho nada em mim
Que criar pessoa é criar futuro
Não há portanto recompensa, indenização,
Mesquinhas voltas, efêmeros trocos.
Choram pela casa e eu ouço sem ouvidos
Porque meus sentidos vivem agora sob a égide da alma

Chupetas punhetas guitarras
Meus filhos babam conhecimentos
Da nova era no chão de minha casa
Essa deve ser minha felicidade
Aprendo a dar meu eu,
Aquilo que não tem cópia
Tampouco similar

E o tempo, esse cuidadoso alfaiate,
não me conta nada
Assíduo guardador dos nossos melhores segredos
Sabe o enredo da estória
Vai soprando tudo aos poucos e muito aos pouquinhos
Faz lembrar que meu pai também foi pequenininho
Que só por ele ter podido ser meu ontem
Só por ele ter fodido com desesperado desejo minha mãe
Um dia existi

Choram meus filhos pela nasa onde passeamos
Planetas e reveses
Eu escuto seus computadores e limpo suas fezes
Faço compressas pra febre,
Afirmo que quero morrer antes deles
Assino documento onde aceito de bom grado
Lhes ter sido a mala o malote a estrela guia
Um dia eles amarão com a mesma grandeza que eu
Uma pessoa que não pode ser eu
Serão seus filhos suas mulheres seus homens

Eu serei aquela que receberá sua escassa visita
Não serei a preferida
Serei a quem se agradece displicente
Pelo adianto, pela carona
De poderem ter sido humanidade
Choram meus filhos pela casa
E eu sou a recessiva bússola
A cegonha a garça
Com um único presente na mão:

Saber que o amor só é amor quando é troca
E a troca só tem graça quando é de graça.

1 Comments:

At 21/3/08 23:59, Blogger Cema Purpura said...

Obaaaaaaaaaaaa, vc voltou com Elisa Lucinda e tudoooooooo.
bjsssssssssssss

 

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