No início foi a conformação. Ele não sofreu, ele foi embora feliz, ele sabia que ia, ele deixou uma cartinha, etc. Os dias vão passando e a conformação vai caindo por terra, aos poucos a gente vai se inteirando da falta que ele faz. A gente vai percebendo que não foi um sonho ruim, que não vamos mais vê-lo. Eu não gosto de falar coisas tristes no blog, mas às vezes é necessário falar também de dores. Não queria que o B. que hoje está em Kopenhagen lesse o blog e se entristecesse mais ainda, ele que já está tão longe... mas também não posso deixar de falar aqui o que estou sentindo.
Hoje compreendo perfeitamente uma letra de música que sempre me tocou de alguma forma, mas que agora enxergo exatamente a angústia do autor: "naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim".
Olhar o jardim, as roseiras, o portão, a entrada do carro que ele fez e que a gente reclamava tanto que era alta demais. A luz do terraço que ele compulsivamente apagava e eu dizia pra manter acesa. A teimosia sã que ele tinha. A pressa, a alegria, o modo de tratar todo mundo, as brincadeiras. Os telefonemas, a cumplicidade, os "eu te amo, pai" que ele respondia emocionado: "obrigado, fia". E a cada dia que eu chego lá e vejo tudo aquilo a dor aperta mais e mais e mais.
Pai, que saudades de você. Que falta você me faz. Que saudade da sua mão apertando a minha na rampinha do supermercado, que saudade das corridas loucas que você fazia junto com a mãe pra fazer as compras, sempre apressado.
-Pai, você tá torto. Tá doendo muito a perna?
-Não, fia. Tô torto de tanto carregar a sanfona.
Ele sempre tinha uma brincadeira, uma bagunça, uma farra.
Sempre um sorriso pra alguém e aquele olhar. Aqueles olhos azuis que eu não verei mais.
Pai, eu sabia que um dia você iria. Eu sabia que pela lógica os pais devem ir primeiro. Eu sabia também que ia doer muito. Mas eu não sabia que era tanto assim. É imensa a dor. Não dá pra mensurar.
Pai, que bom que fomos sempre tão amigos. Pai, que bom que a gente sempre se respeitou. Pai, que bom que eu pude falar tantos "eu te amo" quantos quis falar. Pai, que bom viver com você, ter você por completo, sermos de fato companheiros.
Pai, você amou meus amigos, você amou incondicionalmente seus netos, você que foi um super marido apaixonado pela minha mãe, você que sofreu comigo a perda do meu primeiro filho, não esmoreceu nem blasfemou, nunca reclamou de Deus, e até nessa hora me deu força.
Pai, tudo que eu falar sobre você será pouco diante de sua grandeza. Você com sua simplicidade nos ensinou muito. Eu tenho muito orgulho, pai, de ter um pouco de sua muita alegria, um pouco do seu muito bom humor.
Pai, pra sempre eu vou te amar. Pai!
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