Da Folha de São Paulo de domingo, 29
DANUZA LEÃO
A descoberta
QUANDO A gente tem dez anos, tudo o que quer na vida é ser a primeira da classe. Com 12, as prioridades já são outras; toma-se conhecimento de que existe outro sexo no mundo, e a partir daí, é só nisso que se pensa: nos meninos. Os estudos vão pro brejo, a vaidade se instala como prioridade máxima e até lenços amassados se põe dentro da combinação para dar a impressão de que os seios já existem.
Os namoros são muitos, as paixões chegam e vão embora com uma rapidez fulminante, e nada é mais importante na vida do que a festinha de sábado. Quando não tinha festa, improvisava-se um arrasta-pé: era só enrolar o tapete, botar um LP na vitrola e baixar um pouquinho a luz da sala. As meninas traziam, cada uma, um prato de salgadinhos, os garotos, os refrigerantes -e muito disfarçadamente, uma garrafa de rum. E dançar de rosto colado era quase como usar um anel de noivado. O tempo passava e chegava a hora de arranjar um namoro sério, tipo para casar. Havia o noivado, com festa, o casamento, com uma festança, os filhos chegavam e era a hora de melhorar de vida. Ter um carro, casa própria, poder fazer uma viagem de vez em quando, ver os filhos crescendo, dando-se bem na escola e, com sorte, entrando na faculdade.
Um dia os filhos casam, o casal fica só e essa é a hora propícia para uma separação, sobretudo se os dois ainda forem jovens; razoavelmente jovens. Geralmente quem quer a separação é ela, para poder viver a vida de que tanto ouviu falar, de romances e aventuras, e que nunca viveu. Separam-se e ela só pensa em uma coisa: encontrar um grande amor. O tempo passa, sem que apareça nem um grande amor nem um pequeno. Para avó ela não tem vocação, ficar sem fazer nada não dá, aí resolve trabalhar; as coisas dão certo, o dinheiro entra, cessam as preocupações com o futuro e a vida, aparentemente, vai bem.
Até que um dia sente uma dorzinha na coluna, vai a um médico e confessa que não vai a nenhum há anos. Médicos não perdoam: foi pedido logo um check-up completo. Só ela sabe o que foi marcar os exames: cada um era em um lugar, para um tinha que ficar em jejum oito horas antes do exame, para outro tinha que tomar seis copos de água 15 minutos antes de entrar na máquina, e todos, absolutamente todos os médicos de todos os exames perguntando sobre suas doenças passadas, das quais ela não se lembrava, que medicamentos tomava agora, e como cada dia era um, a resposta ficava difícil. Mas um dia terminou a via-crúcis, só que ela tinha que ir pessoalmente apanhar os resultados.
Acordou achando aquele o pior programa do mundo, mas tinha que ir. E pela primeira vez pensou que, com tantos exames, poderia ter alguma coisa grave. Morreu de medo, mas não havia nada a fazer. Pegou todos aqueles envelopes e radiografias, abriu e começou a ler, mas não entendeu nada. Só um médico seria capaz disso. A única coisa que percebeu, muito claramente, foi que, mais que viagens, dinheiro, amor, felicidade, a coisa mais importante do mundo é ter saúde. E, a partir desse dia, começou a ver o mundo de outra maneira; nem melhor, nem pior, mas bem diferente.
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